sexta-feira, 24 de junho de 2011

FUNDO DE GARRAFA

Quando eu tinha oito anos, comecei a usar óculos. Começou com menos de um grau, que foi aumentando a cada ano até atingir 8,5 de miopia e 3,5 de astigmatismo. O mesmo grau nos dois olhos, a mesma falta de visão. Cheguei aos 20 anos com calos no nariz e atrás das orelhas, de tão pesada era a armação dos óculos.
A partir dos 20 anos, passei por sete consultas no Hospital das Clínicas, em São Paulo. A cada ano, a expectativa de que meus graus estivessem estabilizados e que uma cirurgia, finalmente, pudesse me livrar desse problema.
Acontece que a falta de estabilidade dos graus não era apenas o problema que impedia a operação dos meus olhos. Minhas córneas eram muito finas e os médicos diziam que, se fizessem a cirurgia, a aplicação do laser não poderia ser muito intensa, sob risco que elas se rompessem. Se aplicassem o laser com uma intensidade menor, ainda me restariam quatro ou cinco graus e eu teria que continuar usando óculos para enxergar.
Eu entendia tudo isso, mas mesmo assim me frustrava.
Antes disso, na adolescência, por sorte as lentes de contato me livraram de usar os fundos de garrafa, quando a miopia quase me cegou. Eu só enxergava o que estava a um palmo na minha frente. O restante era embaçado e sem brilho, como a imagem vista sob uma lente de câmera fotográfica desfocada. Mesmo usando óculos ou lentes, passei muita vergonha respondendo “tchaus” que não eram para mim. Para evitar essa vergonha, ganhei fama de metida por não me arriscar a cumprimentar quem eu não conseguia enxergar.
Por muito tempo, o uso de óculos de graus tão fortes e de lentes foi a desculpa para não fazer várias coisas: entrar no mar, me dedicar à disciplina de telejornalismo, na faculdade, dormir na casa de amigas, olhar as pessoas nos olhos...
Quando finalmente meus olhos foram operados, quase não acreditei. Finalmente, podia ver direito e a minha grande surpresa foi que o mundo realmente era brilhante, como os óculos faziam parecer ser.
Quem não tem problema de visão talvez não consiga entender o significado que isso tem para nós, os quatro olhos. Geralmente, as pessoas não dão muita importância ao sentidos até que algum deles começa a faltar.
Hoje em dia, tenho que usar óculos apenas para dirigir a noite, mas mantenho sempre um por perto, como uma lembrança do tempo que eu tive que ter muita paciência para esperar o momento certo de melhorar a visão distorcida que eu tinha das coisas.

4 comentários:

Lucimara Fernandes disse...

Oi Ká,
Apesar dos meus graus não serem tão altos quanto foram os seus um dia, eu entendo o que você diz, pois também sou míope e também sofro do embaçamento do astigmatismo... Sem lentes, é como se o mundo estivesse constantimente nebuloso... Eu nunca me adaptei aos óculos, nunca me senti bem com eles, me sentia escondida... Até o dia que descobri o benefício das lentes de contato... Lembro da primeira vez que vi as estrelas como elas realmente são! Jamais esquecerei aquele momento!
E lembro também da alegria que senti no dia em que você operou os seus olhos... Foi no dia do meu aniversário! E o meu maior presente naquele ano foi ver a sua satisfação! Parabéns por não ter desistido, apesar das dificuldades e dos anos de espera!
Beijos.

Martha disse...

Karina como voce deve ter sofrido. as vezes eu sonho que estou cega e acordo desesperada. eu uso oculos desde criança, por eu ser estrabica as crianças na escola me chamavam de quatro olho ou zarolha. eu chorava e ficava muito triste. texto escrito por Martha

Adriana Otani disse...

Oi Ka,
Esse fim de semana estive pensando em como não damos valor para "pequenas" coisas até que elas nos faltam. Estou com dores na coluna já há alguns dias e que está atrapalhando a minha maneira de andar. Em alguns momentos, não consigo encostar os pés no chão. Parei para pensar na dificuldade que eu estou tendo, temporariamente, em me locomover e lembrei de pessoas que têm essa situação como permanente.

Scrap by RÔ disse...

Oi Ká...eu imagino muito bem o que vc sentia pois no meu caso a visão é perfeita, já os ouvidos... Depois que minha audição piorou sinto que outros problemas apareceram... como a falta de atenção. Incrível mas por não ouvir bem, não confio mais em mim, faço força para prestar atenção em algo que me dizem e um tempo depois fico em dúvido se entendi corretamente e isso me atrapalha em tudo, não me adaptei ao aparelho auditivo mas algumas vezes necessito usá-los. Precisamos reaprender certas coisas ao longo da vida. Adorei seu post. Beijokas