domingo, 2 de janeiro de 2011

ESPAÇOS EM BRANCO

Quando eu aprendi a pintar, recebi a orientação para jamais seguir adiante enquanto um espaço em branco não estivesse totalmente preenchido.  E, também, para não ultrapassar a linha do desenho, não pintar além da margem delimitada para a figura. Detalhe: eu não estava fazendo curso de pintura. Era apenas uma explicação sobre como pintar desenhos comuns de crianças e, se me lembro bem, eu tinha menos de 10 anos.
Lembro-me de ficar em pé pintando em folhas apoiadas sobre o armário vermelho que havia na cozinha da casa dos meus pais. Gastava um bom tempo em um mesmo local da figura até que todos os espaços em branco estivessem totalmente preenchidos. Naquela época, era costume que as provas do “primário” tivessem ilustração na capa. A pintura das capas das minhas provas demonstravam uma leveza e concentração incomuns para as crianças daquela idade. Eu nunca borrei, nunca forcei o lápis de cor, nunca saí da linha.
Um dia desses, um colega do trabalho me perguntou como isso afetou a maneira como eu sou hoje. Eu, que nunca havia pensando a respeito, vi uma boa oportunidade para refletir sobre as consequências que esse “modo de pintar” trouxe para minha vida.
Vejo muito desse perfeccionismo estimulado na infância na maioria das atividades que realizo atualmente. Tento sempre aprender o máximo sobre os assuntos e preencher todos os espaços em brancos antes de avançar. Conforme vou aprendendo, mais tenho interesse em me aprofundar no tema e, quanto mais me aprofundo, mais tenho a sensação de que nunca saberei o suficiente.
Vejo essa necessidade de me aprofundar como algo positivo, porém em parte.
Cada vez que aprendo mais sobre um assunto tenho certeza de que estou contribuindo para o meu autodesenvolvimento intelectual e profissional, tentando entender temas sobre os quais nem imaginava um dia conseguir discutir.
Em contrapartida, cada vez que não consigo ir além da “linha do desenho” porque ainda não preenchi todos os espaços em branco, sinto uma angústia complicada de administrar.
Entender que os espaços em branco são importantes (e, muitas vezes, necessários) não é fácil e eu tenho feito um grande esforço para isso.
Aos poucos, estou vendo que, quando me permito deixar alguns espaços em branco, dou chance para que outras pessoas contribuam para o meu conhecimento por meio da troca de ideias, de experiências. Isso aprimora meu senso de análise crítica, me faz assimilar o que realmente interessa e, o que é melhor, me ajuda a ocupar minha memória com conceitos e assuntos que realmente terão alguma utilidade prática na minha vida.
Decorar teorias é fácil. Difícil é produzir algo útil com o conhecimento adquirido.

10 comentários:

Unknown disse...

Use o conhecimento adquirido ao longo de sua jornada em reflexões como estas, reflexões sobre nós mesmos... sobre o que queremos ser, o que podemos ser e o que, de fato, somos. Não é querer ser perfeita, é querer ser melhor. Ótimo texto, Ka. Beijos.

Dri Cardoso e Val Souza disse...

Agora tudo fez sentido...hehehe! Adorei o texto, Ká. Bjs

Victor disse...

É..... nada melhor do que uma reflexão. beijos

silvia disse...

Adorei Karina...acho que todos nós deveríamos rever alguns conceitos e posturas que carregamos a vida inteira,sem saber bem porque. Bjs

Anônimo disse...

Uma boa dica para aplicar na vida.
Gostei muito do seu texto.
Abraço!
Railton Umbelino

Unknown disse...

Seu texto me deixou muito feliz, porque como disse a Adriana: agora tudo faz sentido....
Um vez vc me disse uma coisa que nunca mais esqueci, vc disse: As vezes fico questionando se e´bom a gente ter conhecimento de tanta coisa e isso me leva a pensar toda vez que alguem não age da maneira que espero que ela aja, porque pra mim é tao simples... Dai, ao mesmo tempo me vem á mente os tempos que eu tbém era tao pouca interessada em aprender ( era mais fácil me sentir incapaz)dai, entendo que cada pessoa esta no seu tempo e grau de evolução me fazendo ter mais paciência com ela.
Ao contrário de vc, eu deixei que muitas pessoas preenchessem os espaços da minha vida por comodismo ou por impotencia, agora estou na fase de peneirar: o que foi bom fica, o que foi ruim sai o que foi mais ou menos , to pensando ainda... bjos

Larissa disse...

Oi Karina!

Muito interessante essa iniciativa do Tangram! E muito bons os teus textos, em especial este último sobre os espaços em branco!

Concordo com o primeiro comentário, de que devemos procurar ser pessoas melhores, mas não exatamente perfeitas.
A busca pela perfeição nos torna, muitas vezes, excessivamente críticos e intolerantes com nós mesmos e com os demais.

Beijos e espero o próximo post!

Andréa Vales disse...

Hummmm...Agora consegui tirar algumas dúvidas...rsrsrsr...Adorei, Ká!!! Bjos

andruchak disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
andruchak disse...

Excelente observação Karina. A idéia é essa mesma: não se deve deixar espaços em branco a menos que tenhamos um propósito para isso. Na verdade o pensamento é que você não deixe tudo pela metade ou que não faça mal feito. Não se deve contudo levar ao pé da letra. Muitas vezes um espaço em branco é o que precisa para estar completo. Em outros casos, ultrapassar a linha pode ser a forma de acertar.

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Andruchak - Artista Plástico Muralista, Professor do Departamento de Artes da UFRN, Doutor pela ECA-USP, Coordenador do projeto Andruchak Arte Brasil.
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